Surströmming, radares para prevenir e potência para andar devagar
É impressão minha ou os automóveis estão a ficar demasiado potentes? É verdade que estão a ficar cada vez maiores e mais pesados. Ridiculamente grandes e pesados, na verdade, mas dizem-nos que é inevitável e que, como uma grande parte das inevitabilidades da vida, temos de a aceitar e seguir caminho. Neste caso, em nome do ambiente, relembro, a bordo dos nossos monstruosos e poderosos veículos electrificados. Altos e largos, com jantes de 20 polegadas e todas as mordomias essenciais, tais como o assistente de estacionamento, tão eficiente quanto o VAR num qualquer jogo de futebol. É verdade que este excesso de potência não se aplica apenas aos modernos automóveis eléctricos, pois esta parece-me ser uma tendência transversal a todos os segmentos e tipos de automóvel. Até nos desportivos. É um exagero. É mesmo.
Como fã de automóveis, gosto de potência, claro que sim. Gosto da emoção de conduzir um desportivo. Gosto do som, das vibrações, da rapidez. Via-me, claro, a ter um Porsche 911. Mas não me via a ter um Bugatti Chiron, embora aprecie a sua existência. Gosto de potência com moderação, com responsabilidade. Algo utilizável. De que possa desfrutar. Traduzindo isto para números, gosto de algo com 200 ou 250 cavalos, qualquer coisa por aí. Um bocadito mais, vá. No entanto, é claro que se o veículo em questão pesar tanto como o Colosso de Rodes, não há milagres. Vai ser tão interessante conduzi-lo como fazer o desafio do Surströmming. Considero, por isso, que para as nossas necessidades básicas de mobilidade, seja ela eléctrica e “sustentável” ou térmica e “antiquada”, existe um valor de potência – que não sei bem qual é – que chega e sobra para as encomendas. Não sei qual é, mas desconfio…
Cá por casa nunca existiram automóveis potentes e não foi por isso que cheguei atrasado ao destino, quer como passageiro, quer como condutor. Cresci, conduzo e divirto-me com 60 cavalos debaixo do pé, garanto-vos. Porém, admito que ter potência disponível é importante. Dá-nos confiança para realizar uma ultrapassagem em segurança e, de certa forma, reduzindo o esforço da mecânica, podemos até assumir que favorece, até certo ponto, os consumos. Com este discurso, até parece que não estou entusiasmado por conduzir o novo Hyundai i20N e o Cupra Formentor VZ5 ou, do lado da equipa silenciosa, por exemplo, o Audi RS e-Tron GT. É claro que estou. Mas a verdade é que é difícil usufruir das suas respectivas performances nas nossas estradas. Difícil, porque é proibido e irresponsável.
Não quero, com este discurso, dizer que sou incorruptível ou, por outro lado, defender excessos de velocidade na via pública, nada disso. Todos, ou quase todos, vá, o fazemos ou já fizemos. E mesmo que consigamos resistir “a puxar pelos cavalos” durante 99% do tempo em que estamos ao volante, vai ser no tempo restante, aqueles 10 segundos em que fazemos o gosto ao pé direito, que vamos passar por um Skoda Octavia cinzento “avariado” na berma e equipado com uma máquina fotográfica e uma lente capaz de captar os anéis de Saturno enquanto o condutor espera por um reboque que nunca vai chegar. Também por isto, por termos de fazer a 2ª circular a 49,99 km/h, numa zona de trânsito proibido a peões, famosa pelo “pára e arranca” onde à hora de ponta não se queima pneu, só gasolina, embraiagem e tempo, não percebo como vamos utilizar a potência que nos querem vender. Deve ser por uma questão de prevenção.
É óbvio que quero que existam automóveis potentes. É óbvio que os quero continuar a conduzir. Mas se o pudesse fazer, compraria algo assim tão potente? Sinceramente já não sei. Porque sempre que conduzo algo “mais máquina” ou mais vistoso, estou sempre a olhar por cima do ombro, mesmo que naquele momento vá devagar. Porque não gosto de dar autógrafos na tampa da bagageira de um Toyota Avensis branco com autocolantes e pirilampos. Nunca o fiz, mas não me agrada a ideia. E ter potência que não se pode usar é quase a mesma coisa que ir a um restaurante pedir uma dose que inclui um bife que quase não cabe no prato. Na maior parte das vezes, paga-se para que uma grande parte do bife lá vá ficar no final da refeição. É desperdício. O mercado automóvel está cada vez mais potente, mas a potência é cada vez menos justificável. Muita potência ou potência moderada? Isso não sei, mas um bife de 250 gramas ou arenque fermentado? Caramba, essa é fácil, escolho a potência, todos os dias.