Ford quer revolucionar a produção automóvel. Outra vez. O tudo ou nada que faltava para o sucesso do elétrico?
Surgiu recentemente uma notícia à qual não foi dada, na minha opinião, a devida importância. Tantas vezes acusada (com alguma justificação) de não ter uma verdadeira estratégia, bem definida, para a era da eletrificação, a gigante Ford parece, finalmente, ter acordado. Vêm aí elétricos de construção modular, escalável e, garantem, acessíveis, graças ao que Jim Farley, CEO da marca americana, descreveu como um “momento Ford T”, um projeto no qual a Ford tem vindo a trabalhar nos últimos três anos.
Será que a Ford ainda vai a tempo de recuperar o tempo perdido ou será que, por outro lado, no meio de tanta volta e reviravolta, do estabelecimento e posterior adiamento de metas de obrigatoriedade de vendas de elétricos, a icónica oval azul ainda “sai por cima” dos seus rivais ocidentais com esta sua nova abordagem? Esta é uma dúvida que poderemos ver respondida daqui a alguns anos, mas que, se a estratégia agora anunciada for eficiente e rigorosamente aplicada, será sempre positiva para a Ford.

Com várias marcas concorrentes e respetivas gamas já amplamente eletrificadas, foi quase necessário um desfibrilhador, um verdadeiro choque elétrico – vou parar com as analogias – para a Ford reagir, mas se o plano agora anunciado lhes sai bem, com veículos elétricos esteticamente apelativos, eficientes e suportados por um posicionamento de preço verdadeiramente agressivo, a Ford poderá ganhar um ímpeto comercial difícil de acompanhar.
Ford quer reduzir número de componentes e tempo de produção
Para já, vai ser feito um investimento de 5 mil milhões de dólares, 3 mil milhões numa reformulação da fábrica de Louisville, no estado do Kentucky, e 2 mil milhões na fábrica de baterias que possui no Michigan. Nesta última, o objetivo é produzir células de bateria com química LFP, com menor custo do que, por exemplo, com química NMC. A densidade energética e, consequentemente, a autonomia, podem até ser inferiores, mas longevidade é, em teoria, maior.


O objetivo global é, assim, implementar um novo sistema produtivo com base numa construção modular e numa plataforma universal que visa reduzir o tempo e os custos de fabrico, tal como o Ford T fez há mais de 100 anos, mas agora em configuração elétrica. O plano prevê, de forma muito resumida, substituir a clássica linha de produção por três linhas em paralelo, no fundo, uma “árvore de produção” cujas ramificações serão responsáveis por diferentes secções do veículo, dianteira, traseira e central – onde se inclui a bateria elétrica – as quais são depois agregadas no final. Segundo as estimativas oficiais, a Ford deverá reduzir o tempo de produção em 15% e o número de componentes em 20%.
Primeiro, uma pick-up
O primeiro modelo que deverá resultar deste “momento Ford T 2.0” será uma inevitável pick-up que Jim Farley quer colocar no mercado dos EUA já em 2027 por um preço de 30.000 dólares. Para nós, europeus, este tipo de proposta pode até não nos dizer muito, mas imaginem o que seria comprar um “Focus” 100% elétrico por cerca de 25.000 euros (vamos esquecer, momentaneamente, palavras como “tarifas” e “impostos”). Seria, no mínimo, transformador para o mercado e talvez o “fusível” para espoletar uma reação junto de outros fabricantes, para que tentassem, também, revolucionar com ideias novas.

Sim, há toda uma cadeia de abastecimento para controlar, instalações a transformar e empregos a proteger, já para não falar dos custos de formação das imensas equipas da Ford. O desafio é enorme e há muita coisa que pode correr mal no plano de Farley. Mas e se corre bem? Não só a porta da total eletrificação do automóvel se abriria para um número considerável de condutores, como a abordagem revolucionária poderia colocar a “adormecida” Ford à frente da concorrência. E para nós, clientes, mas também entusiastas do automóvel, são momentos como este que escrevem a sua história, cujos sucessos são tão interessantes e louváveis como os fracassos.