Histórias da história da Alpine nos ralis
Retomando o tema de há dias, do regresso da marca Alpine às provas de estrada, para já cingida a solo francês, trata-se, sem sombra de dúvida, de um dos mais aguardados regressos a esta disciplina, numa marca herdeira de um recheado palmarés, acumulado entre o final dos anos ’60 do século passado, primeiro no Campeonato da Europa de Ralis da altura, e depois, no início da década de ‘70, no entretanto criado Campeonato Internacional de Marcas, antecessor do Mundial de Rali, anos mais tarde resumido à sigla WRC.
O primeiro confronto opôs a Porsche à entretanto chegada Alpine Renault, competição em que a última apenas alcançou o 2º lugar, perdendo o título para a sua rival por 2 míseros pontos (28 contra 26), depois de ver o A110 1800 de Jean-Luc Thérier atascar-se num dos lamaçais pelos quais o Rally RAC é conhecido, quando atacado pelas impiedosas chuvas de inverno, quando seguia no 2º lugar, posição que lhe era suficiente para assegurar o título para a marca. Mas a história assim não o quis e o ceptro ficou para os alemães!
Na edição de 1971 a entretanto (muito) reforçada Alpine Renault veria a batalha pelo título facilitada, pois os seus adversários – Datsun, Ford, Lancia, Porsche e Saab – apenas escolhiam participar em eventos ditos mais favoráveis, não surpreendendo que os franceses tenham acabado o ano com o dobro dos pontos dos suecos, contabilizando 4 vitórias, em 8 ralis, garantindo-se o ceptro de Campeã de Marcas. Ao contrário, no ano seguinte viveu-se o descalabro, com os entretanto evoluídos A110 1800 a não serem acompanhados de uma equivalente fiabilidade, levando até a que a marca encurtasse os seus planos, preferindo concentrar-se em resolver o que estava mal, apontando armas à temporada seguinte.
Esse novo ano de 1973 trouxe consigo nova alteração, com a antiga FISA (agora FIA) a mudar de novo as regras, em face do crescendo de interesse dos ralis e do envolvimento mais aguerrido de diversas marcas, instituindo um troféu de Construtores no seu também novel Campeonato do Mundo de Ralis. E foi a Alpine a primeira a festejar a conquista de um título sob essa nova realidade, batendo as estruturas oficiais da Fiat, Ford, Saab e Volvo, após vencer 6 provas: Monte-Carlo, onde ocupou a totalidade dos lugares do pódio, tal como o faria no final do ano na Córsega, Portugal, Marrocos, Grécia e Itália. Teve 15 representantes nos pódios de 8 ralis, de um total de 13 provas que compuseram o calendário desse ano.
Da forte armada francesa ao contingente lusitano
Para esse ceptro contribuíram os chamados “3 Mosqueteiros” – Jean-Pierre Nicolas e Jean-Luc Thérier, vencedores, respectivamente do 5º e 7º International Rallye TAP (‘71 e ‘73) e Bernard Darniche (2º lugar na edição de ’72 da prova lusa) – aqui e ali acompanhados por Jean-Claude Andruet, numa armada francesa queria-se isso mesmo, 100% francesa.
Só não o era inteiramente porque havia um outsider, Ove Andersson de seu nome, alguém que foi difícil de engolir na altura, fruto do instituído chauvinismo francês da época, pelo que o piloto sueco – que anos mais tarde haveria de liderar os destinos da Toyota Motorsport nos ralis – teve que se aplicar para ver reconhecido o seu trabalho. Curiosamente é, em grande parte, por sua culpa que o troféu de marcas de 1971 esteja na vitrina da Alpine Renault. Ele há coisas…!
Outra curiosidade: foi em 1973 que a também francesa Michèle Mouton iniciou a sua carreira nos ralis, surgindo ao volante de diferentes versões do A110 (diversas evoluções do 1600 e do 1800 e até com o A310 V6) ao longo de 3 temporadas, preparando caminho para, anos mais tarde, alcançar o ceptro de Vice-Campeã do Mundo, com a Audi, em 1982.
Já em termos lusos, entre os nomes que com as “Berlinettes” (alcunha dada ao modelo) aceleraram nos troços nacionais e, até, internacionais destacam-se António Borges (6º no Tap ’73), Mário Costa, José Manuel Morais, António Burnay Bastos e Vasco Pereira Coutinho, entre vários outros!
Do A110 dos anos ’70 ao A110 do Século XXI
Quanto a modelos, a marca sediada em Dieppe teve várias propostas do coupé A110 com carroçaria em fibra de carbono do tipo multilayer, desde o 1000 de 70 cv do Grupo GT (1963), ao 1100, com 110 cv (1964), surgindo em 1965 o 1300, versão de Grupo 3 já com 135 cv. Em 1968 surge a versão proto que serviria de base às criações posteriores que, aí sim, estavam aptas a lutar pelas vitórias e os títulos: os bem mais conhecidos A110 1600 (155 cv) e o A110 1800 (175 cv), de Grupo 4 e estreados em Monte Carlo (1970 e 1972 respectivamente), o ultimo evoluindo para uma versão 1800 S, com mais 10 cv, pouco tempo depois, entre outras evoluções pontuais.
Esgotado o filão de desenvolvimento do A110, a partir de 1974 a marca apostava no A310, em versões sucessivas com potências que chegaram aos 300 cv, mas que nunca alcançaram o mesmo sucesso dos seus antecessores, também muito por culpa do aparecimento de outro ícone do mundo dos ralis: o Lancia Stratos HF, carro que ficará para uma história à parte.
Chega, agora, o descendente A110 Rally R-GT… a ver o que a História lhe reserva!
Fotos: Oficiais / Alpine / Renault / François Delecour